Fim de tarde. Ônibus abafado e
pessoas se aglomerando ainda mais. Trabalhadores exaustos e suados, estudantes carregados
de papeis, uma mãe equilibrando sua criança de colo no vai-vem do corredor,
duas adolescentes rindo alto, um senhor idoso com dificuldade para subir a escada
do veículo, o cobrador impaciente: "Um passinho à frente, pessoal!"
No ônibus, mesmo que não se tenha
intenção, é impossível não ouvir o que as pessoas conversam. Não há espaço nem
para a discrição.
Foi aí que percebi que uma moça,
no assento atrás de mim, falava ao celular. Não sei com quem ela conversava, mas estava
animada e disse: "Tô voltando pra casa!" E essa frase, ouvida sem
querer, ficou acelerando nas curvas do meu pensamento. A moça vinha não sei de
onde e estava voltando para casa. Será que ela se dava conta do privilégio que
isso significa? Passei a arquitetar hipóteses: ela devia estar falando com a mãe,
que a esperava com o jantar pronto. Ou com o pai, com quem ela tomaria chimarrão
à tardinha. Ou com o namorado, com quem fazia planos de casamento. Ou, quem
sabe, ela falava com o filho pequeno, que pedia auxílio na lição de casa. Não
importa. A moça voltava para casa.
Eu, no ônibus lotado, era como
se estivesse dentro de uma vitrine em movimento. Lá fora, numa calçada de nossa
cidade, uma pessoa solitária revirava uma lixeira. Buscava comida? Alguns
metros adiante, uma criança descalça e sozinha estendia a mão ao motorista
parado na sinaleira. Muitas pessoas nas ruas, rostos sérios e passos
apressados. No assento, atrás de mim, a moça que voltava para casa, feliz.
Voltar para casa, para a família,
para junto de quem se quer bem, é um privilégio da maioria das pessoas, mas não
de todas. Há muitas que voltam, todos os dias, para lares desestruturados, para
relacionamentos ressecados, para a solidão fria de suas casas. Mesmo convivendo
com outras pessoas, sob o mesmo teto, são estranhas entre si. Não há diálogo,
só monólogos. Não há partilha, só egoísmo faminto. Não há sorrisos, nem gentilezas;
só reclamações e palavras duras. Não há pontes, apenas muros cada vez mais
altos. Mães e pais sem tempo para os filhos. E filhos ditadores, ingratos. Avós
que não têm para quem contar suas histórias. Resignados, vivem presos ao
passado, em que as famílias numerosas ainda se reuniam, pelo menos para o farto
almoço de domingo, quando se alimentava o corpo e o coração.
Voltar para casa,
voltar para a família todos os dias deveria ser sempre motivo de alegria, como o
era para a moça que falava ao celular, com um sorriso na voz. Ou como na parábola
de Jesus, que fala do retomo do filho perdido para os braços de seu pai
bondoso. Família, casa, lar deveriam ser sempre sinônimos de aconchego, de partilha,
de proteção. E isso apesar das diferenças, já que, mesmo na família, as pessoas
são únicas, felizmente.
Pela janela do ônibus, vi ainda um joão-de-barro no topo de um poste, engenhando sua morada, faceiro. Até ele! Então me dei conta do privilégio que é, também para mim, poder dizer: Eu estou voltando para casa!